Senhas
Adriana Calcanhotto
Eu não gosto do bom gosto
Eu não gosto de bom senso
Eu não gosto dos bons modos
Não gosto
Eu aguento até rigores
Eu não tenho pena dos traídos
Eu hospedo infratores e banidos
Eu respeito conveniências
Eu não ligo pra conchavos
Eu suporto aparências
Eu não gosto de maus tratos
Mas o que eu não gosto é do bom gosto
Eu não gosto de bom senso
Eu não gosto dos bons modos
Não gosto
Eu aguento até os modernos
E seus segundos cadernos
Eu aguento até os caretas
E suas verdades perfeitas
O que eu não gosto é do bom gosto
Eu não gosto de bom senso
Eu não gosto dos bons modos
Não gosto
Eu aguento até os estetas
Eu não julgo competência
Eu não ligo pra etiqueta
Eu aplaudo rebeldias
Eu respeito tiranias
E compreendo piedades
Eu não condeno mentiras
Eu não condeno vaidades
FLORBELA ESPANCA
Carta de Florbela à Guido Batelli
Évora, 27 de Julho de 1930
Meu amigo (Guido Batelli)
"Sou uma céptica que crê em tudo, uma desiludida cheia de ilusões, uma revoltada que aceita, sorridente, todo o mal da vida, uma indiferente a transbordar de ternura. Grave e metódica à mania, atenta a todas as subtilezas de uma raciocínio claro e lúcido, não deixo, no entanto, de ser um D. Quixote fêmea a combater moinhos de ventos, quimérica e fantástica, sempre enganada e sempre a pedir novas mentiras à vida, num dar de mim própria que não acaba, que não desfalece, que não cansa! (...)”
(Dall Farra, 2002. p. 272-273)
Pavia, 22 de Agosto de 1916
Minha Júlia
"(...) Eu não sou em muitas coisas, nada mulher; pouco de feminino tenho em quase todas as distracções da minha vida. Todas as ninharias pueris em que as mulheres se comprazem, toda a fina gentileza duns trabalhos em seda e oiro, as rendas, os bordados, a pintura, tudo isso que eu admiro e adoro em todas as mãos de mulher, não se dão bem na minha, apenas talhadas para folhear livros que são verdadeiramente os meus queridos amigos e os meus inseparáveis companheiros. (...) Que desconsolo ser assim, minha Júlia! Ter apenas paciência para penetrar os arcanos duma alma que se fecha nas páginas de um livro; ter apenas gosto em chorar com Antônio Nobre, pensar em Vítor Hugo, troçar com Fialho de Almeida e rir suavemente, deliciosamente, com uma pontinha de ironia onde às vezes há lágrimas, com Júlio Dantas! Eu não devia ser assim, não é verdade? Mas sou...Tive os melhores professores de tudo na capital do Alentejo (que são melhores não são bons), de bordado, de pintura, de música, de canto, e afinal sou uma eterna curiosa de livros e alfarrábios, e mais nada.”
(Dall Farra, 2002. p. 223)
“Estou cansada, cada vez mais incompreendida e insatisfeita comigo, com a vida e com os outros. Diz-me , porque não nasci igual aos outros, sem dúvidas, sem desejos de impossível? E é isso que me faz sempre desvairada, incompatível com a vida que toda a gente vive...”
(Florbela Espanca, cartas, s/d)
Curiosidades
A cantora:
Além da música, Adriana Calcanhoto é uma assídua leitora de publicações sobre Modernismo no Brasil e também da literatura Portuguesa. Em algumas fases da sua vida chegou a largar a música para atuar como ‘performer’ em peças teatrais e se dedicar à composição. (Observem que na letra da música "senhas" ela fala dos segundos cadernos e dos modernistas. Na segunda geração do modernismo, além da a liberdade temática, o gosto da expressão atualizada ou inventiva, o verso livre e o antiacademicismo, havia uma consciência crítica presente nos escritos, e os escritores desta geração consolidaram em suas obras questões sociais bastante graves: a desigualdade social, a vida cruel dos retirantes, os resquícios de escravidão, o coronelismo, apoiado na posse das terras - todos problemas sociopolíticos que se sobreporiam ao lado pitoresco das várias regiões retratadas". Também musicou um poema de Mário de Sá-Carneiro (Poeta português, amigo de Fernando Pessoa) " O OUTRO" que no seu disco ao vivo "Público", afirma ter debruçado sobre autor e suas obras. Poema também que se encontra na descrição da persona deste blog! Ou seja, Adriana e a literatura - portuguesa e brasileira - estão indiscutivelmente entrelaçados em minha personalidade acadêmica e pessoal.). Em 2008, Adriana lançou seu primeiro livro, Saga Lusa. O livro é um relato da viagem a Portugal em sua turnê do disco Maré. O relato mostra como foram as 120 horas sem dormir e delirando aos efeitos causados por uma mistura de remédios para curar uma forte gripe. A escrita feita nos momentos de delírio, insônia e medos torna-se a única atividade que Adriana, sentada em frente ao seu computador realiza e com muito bom - humor. O livro está repleto de passagens engraçadas nos momentos de delírio, onde a própria escritora ri de si mesma. O livro foi lançado pela Editora Cobogó (Brasil) com capa em 4 cores diferentes e por Quasi Edições (Portugal).
A escritora:
Florbela de Alma da Conceição Espanca (1894/1930), escritora portuguesa, inserida no período de transição do Simbolismo para o Modernismo, que luta contra o preconceito e as sanções sociais pré-capitalistas. (Abdala, 1985). Em 1919 publica sua primeira coleção de poemas, reunida no Livro de Mágoas. Em 1923 é publicado o Livro de Soror Saudade, por volta de 1927 dedica-se a escrever seus contos, em seu último ano de vida escreve os acontecimentos registrando-os em um diário. Já as cartas foram escritas nos anos de 1918, 1926 e 1928, apresentando impressões de acontecimentos e circunstâncias, além da tentativa de descrever sua luta interior. Bela, como era chamada por amigos íntimos, tencionava externar o que talvez não fosse possível verbalizar por falta de companhia ou temor de ser podada e incompreendida. Florbela incomodou a sociedade portuguesa do inicio do século XX, agindo e vivendo na contramão do que se esperava de uma mulher daquela época, principalmente da produção feminina da época, que estava na verdade improdutiva. Sua escrita é permeada pela dor, desilusão e incompletude reveladas através das produções literárias e também das correspondências entre outros com o irmão Apeles, a amiga Julia e a Madame. Embora suas cartas não contenham uma escrita com características normais de uma missiva, visto que podemos observar segundas intenções em suas correspondências, nota-se, sobretudo, uma tensão, uma insatisfação da mulher culta em relação aos costumes provincianos e ultrapassados.
Nas cartas, a autora revela os fatos histórico-sociais coexistentes e correlacionados com o tamanho do desassossego registrado em sua escrita.
Fontes:
http://educarparapensar.wordpress.com/2010/06/06/la-rebeldia/
http://letras.terra.com.br/adriana-calcanhotto/66697/
http://pt.wikipedia.org/wiki/Adriana_Calcanhotto http://www.netsaber.com.br/biografias/ver_biografia_c_3528.html
SOUZA, Adriana;BARRETO, Juliana; GUERRA, Lildecira. A escrita do desassossego nas cartas de Florbela Espanca. 2012.
Interessante este paralelo entre Florbela e Adriana! Parabéns! Duas poetisas que admiro muito!
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